Por António Monteiro de Oliveira
Nada fazia antecipar que 2020 se iria tornar num ano de aprisionamento, no entanto, a partir das 00:00 do dia 22 de março todos fomos obrigados ao isolamento, mas, mais do que tudo, a COVID aprisionou-nos.
Mesmo quem de sua casa saía, era prisioneiro desse isolamento imposto. Prisioneiro do vazio das ruas abandonadas por onde passava.
A ausência foi a pior consequência do aprisionamento.
O Porto estava triste, num processo de tristificação que, em rigor, já há muito se vinha instalando no centro urbano da “antiga, mui gourmet, sem plano social e turística cidade do Porto” (Streetment – em papel, stencil e azulejo, ±maismenos±).
À medida que tudo se encerrava, o centro urbano voltava a ser uma cidade de pedra, inabitada. Abandonada pelos seus anteriores moradores e encerrada para os turistas que são hoje os seus habitantes, consequência de um desenvolvimento turístico assente e estruturado no AirBUYnBYE, nas palavras dos autores, “chegar ao Porto, comprar e dizer adeus” (Clara Roberti, Ferran Reyes e Miguel Januário), a cidade entristecia.
Ao invés de tentar documentar esta tristificação, tentámos encontrar as evidências dos writers que apesar de aprisionados, reclamaram a vivência na e da Cidade, apropriando-se das ruas e dos espaços entretanto inumanizados.
Espaços inumanizados são no nosso entendimento, todos aqueles que perderam a sua funcionalidade humana por impossibilidade, por desinteresse, por abandono ou por disfuncionalidade.
Intervencionados pelos writers, estes espaços readquiriram a sua funcionalidade humana fazendo da ilegalidade da intervenção um vetor de reencontro e de liberdade.
Nas intervenções abaixo apresentadas constata-se a diversidade de pensamento e a expressão das crenças e valores próprios de cada um deles. Apenas partilham a mesma linguagem estética e o talento artístico. A narrativa construída por cada um não se resume à construção de um significado imposto. O trabalho é lá deixado a cada um de nós, à nossa forma de ver ou não ver, à nossa reflexão.
Ao contrário do que afirmava Schacter (2009), a Street Art já não provoca a mesma reação que numa aldeia branca provoca uma casa púrpura. Mas as circunstâncias particulares do período COVID permitiram, uma vez mais, constatar e salientar um comportamento social que desafia a ordem imposta e questiona a essência da noção de vivência do espaço urbano, que não se pode reduzir a uma teologia racionalista.
Aquilo que cada um de nós aproveitou é uma interrogação, porque consciente ou inconscientemente sabe qual é a forma do perfume da rosa que cheirámos pela primeira vez”
Suspensos em palavras suspensas na esperança.