18 de Março de 2016 | 15.00 | ISCAP
RESUMO
Objetos Feitos de Cancro (des)arruma a cultura material da doença oncológica, olhando para as materialidades que ganham forma, uso e sentido nas imagens e textos de projetos artísticos criados por ou com mulheres que viveram esta experiência. Os objetos são entendidos como pedaços de cancro, ou seja, partes constitutivas das sensações, emoções, ideias e gestos que fazem a experiência do corpo doente. Objetos hospitalares, domésticos e pessoais encastram-se no diagnóstico, tratamento, remissão, metastização e morte, fazendo a doença que se sente e pensa. Da cadeira da sala de espera à última pulseira hospitalar, arrumam-se seringas, máquinas, relatórios, macas, camas, instrumentos cirúrgicos, drenos, pensos, próteses, bombas infusoras, cabeleiras, roupa e muita outra bagagem. Nos lugares da Internet, estórias e ensaios de fotografia, pintura, desenho, colagem, modelagem, escultura e costura deixam espreitar os carcinomas, sarcomas, linfomas e leucemias que fazem a soma das experiências que dão corpo a este texto. Dizer que a doença se desdobra como uma experiência modular e que os objetos existem e agem no cancro como realidades encastráveis, assenta numa abordagem teórica e metodológica onde ensaio o potencial explicativo daquilo a que chamo a “terceira metade das coisas e do conhecimento”. Resumo longo: Juntando objetos e materialidades que ganham forma e relevo em projetos artísticos referentes à experiência feminina do cancro, este texto propõe conceitos alternativos de cultura material e doença. Rejeita-se uma separação entre dimensões materiais e intangíveis na doença, entendendo-se os objetos de cultura material como pedaços de cancro, ou seja, enquanto partes constitutivas das ideias, sensações, emoções e gestos que fazem a experiência do corpo doente. Objetos hospitalares, domésticos e pessoais, de uso coletivo ou individual, onde se incluem materialidades descartáveis, vestuário, mobiliário, equipamento e máquinas, compõem uma lista de realidades que se encastram nas experiências do corpo em diagnóstico, internamento, tratamento, reconstrução, remissão, recorrência, metastização e morte. Enquanto invólucro das materialidades que a preenchem e completam, procura-se também compreender a forma como a doença oncológica (re)faz os objetos, dos sentidos às experiências que construímos com e sobre os mesmos. Pretendendo, na forma como se definem as coisas, a mesma inseparabilidade que existe na realidade vivida, este livro propõe que a doença se desdobra como uma experiência modular e que os objetos existem e agem no cancro como módulos ou realidades encastráveis. Para compreender a ação, os usos e os sentidos dos objetos que fazem e são pedaços de cancro(s), o campo de trabalho desta investigação abrange as imagens e os textos de cento e cinquenta projetos artísticos produzidos por ou com mulheres que viveram a experiência desta doença. O texto comenta uma seleção de obras provenientes de um espaço maioritariamente europeu e norte-americano, atravessando os Estados Unidos, Canadá, Dinamarca, Alemanha, Inglaterra, França e Portugal, mas também países como o Brasil, Nova Zelândia, Austrália, Japão ou Israel. Carregados para os lugares digitais da Internet, os exercícios criativos, amadores ou profissionais, de fotografia, pintura, desenho, colagem, modelagem, escultura e costura servem de terreno narrativo e visual, permitindo-nos encontrar a versão vivida dos encaixes entre cultura material e doença. Carcinomas, sarcomas, linfomas e leucemias, entre pele, sangue, carne, gordura e osso, em narizes, tiroides, pescoços, costas, mamas, pulmões, fígado, ovários, úteros, cólon, ancas e pernas, fazem a soma das experiências que dão corpo a este texto. Tocar a continuidade entre objetos e cancros, juntando os saberes do corpo, da arte e da antropologia, assenta numa abordagem teórica e metodológica onde ensaio o potencial explicativo daquilo a que chamo a “terceira metade das coisas e do conhecimento”. Palavras chave: objetos; cancro(s); mulheres; doença modular; objeto encastrável; a terceira metade das coisas e do conhecimento.
Nota biográfica
Susana de Noronha é antropóloga e investigadora de pós-doutoramento do Centro de Estudos Sociais (CES-UC), mestre e doutorada com distinção e louvor em sociologia da cultura pela Universidade de Coimbra. É autora do livro premiado – A Tinta, a Mariposa e a Metástase: a arte como experiência, conhecimento e acção sobre o cancro de mama, publicado em 2009 pelas Edições Afrontamento. A publicação do seu segundo livro, Objetos Feitos de Cancro: mulheres, cultura material e doença nas estórias da arte, aconteceu em 2015 com o selo das Edições Almedina. Dando uso às propostas teóricas do seu doutoramento, encontra-se a finalizar a terceira parte de uma trilogia de investigação em torno da indivisibilidade entre arte, cultura material e doença oncológica, o seu campo de trabalho desde 2005. É bolseira de investigação de pós-doutoramento da Fundação Para a Ciência e a Tecnologia na área de sociologia da cultura, dando seguimento ao financiamento obtido nos projetos de mestrado e doutoramento. Em 2007 venceu em ex aequo o “Prémio CES Para Jovens Cientistas Sociais de Língua Oficial Portuguesa” e em 2003 o “Prémio Bernardino Machado” de Antropologia para o aluno com a classificação final mais elevada na licenciatura da Universidade de Coimbra. É também letrista dos projetos “At Freddy’s House” e “Pyroscaphe”, com trabalho publicado em três álbuns, um EP, dois singles e quatro coletâneas: 09 Roads (2015), À Sombra de Deus Vol. IV (2012), Lock Full Version (2010), 3Pistas Vol.2 (2009), Lock (2009), Novos Talentos FNAC (2009), Undergod/Underdog (2009) e Acorda! Primeira Compilação de Nova Música Portuguesa em mp3 (2006).